O preconceito pode vir de diversas formas. Nesse artigo falaremos sobre uma delas: as microagressões sofridas constantemente por quem não está em seu país de origem e seus desdobramentos. Também falaremos sobre as bases históricas e psicológicas do preconceito com o objetivo de compreender melhor porque o preconceito existe e como ele opera na nossa sociedade.
O preconceito é tão velho quanto a humanidade
É muito raro quem mora fora não sofrer com o preconceito. A cor da pele, a nacionalidade, as vestimentas, os hábitos, costumam ser rotulados e generalizados a padrões de comportamentos e condutas por outras pessoas. O preconceito se define pelas atitudes ou comportamentos negativos direcionados a indivíduos ou grupos, baseados em julgamento prévio que é mantido mesmo diante de fatos que o contradizem. O preconceito é tão velho quanto a humanidade. Desde muito tempo atrás na história, definimos características degradantes a alguns povos para ter a justificativa de explorar, dominar e exterminar. Como foi feito com indígenas, judeus, africanos, indianos e outros. A humanidade dividida em diferentes raças para justificar a hegemonia branca.
A fim de sustentar o poder, a História foi contada por homens brancos europeus que omitiram e reduziram a cultura e sabedoria dos povos colonizados (leia-se originários, explorados). E o resultado disso foi a perpetuação irracional e inconsciente do preconceito até os dias de hoje.
Teorias Cognitivas sobre o preconceito
A base cognitiva do preconceito está relacionada à forma como processamos informações e construímos nossas percepções sobre o mundo e as pessoas ao nosso redor. Existem várias teorias cognitivas que explicam como o preconceito se desenvolve:
Categorização Social: Segundo a Teoria da Categorização Social, as pessoas tendem a agrupar indivíduos em categorias sociais com base em características percebidas, como raça, etnia, gênero, religião, entre outras. Essa categorização é uma parte natural do processo cognitivo, mas pode levar à formação de estereótipos e preconceitos quando as pessoas atribuem características negativas a certos grupos. A partir de uma representação mental de um grupo social e de seus membros tendemos a enfatizar o que há de similar entre pessoas, não necessariamente similares, e a agir de acordo com essa percepção.
Teoria dos Esquemas Cognitivos: Os esquemas cognitivos são estruturas mentais que organizam e interpretam informações. O preconceito pode surgir quando os indivíduos têm esquemas cognitivos negativos sobre certos grupos e interpretam as informações de maneira a confirmar esses esquemas, ignorando informações que contradizem suas crenças preconcebidas.
Viés de Confirmação: O viés de confirmação é a tendência de buscar, interpretar e lembrar informações de maneira a confirmar as próprias crenças e expectativas. No contexto do preconceito, as pessoas podem se concentrar em informações que confirmam seus estereótipos e preconceitos, ignorando ou reinterpretando informações que as contradizem.
Teoria da Atribuição Social: A Teoria da Atribuição Social sugere que as pessoas tendem a fazer atribuições causais para o comportamento dos outros com base em características percebidas, como raça, etnia ou status socioeconômico. Essas atribuições podem ser influenciadas por estereótipos e preconceitos, levando a avaliações negativas de grupos específicos.
Aprendizado Social: O preconceito também pode ser aprendido por meio da observação e imitação de modelos sociais, como pais, colegas, mídia e cultura. Se indivíduos são expostos a mensagens ou comportamentos preconceituosos desde cedo, podem internalizar essas atitudes e replicá-las em suas próprias interações sociais. Se nosso corpo funciona de maneira a gastar menos energia possível, nossa mente não é diferente. O estereótipo é a base cognitiva do preconceito, um meio de simplificar e agilizar a nossa visão de mundo. É o caminho mais fácil e rápido de se chegar a conclusões. Por isso é difícil nos livrar dele!
Como isso acontece na nossa mente?
Há duas formas que descrevem como a informação é processada e acessada na mente.
Ativação automática: refere-se à recuperação rápida e involuntária de informações que estão associadas automaticamente em nossa mente devido a experiências anteriores, associações culturais, estereótipos sociais ou outros fatores. Essas associações automáticas podem ocorrer sem esforço consciente e são ativadas automaticamente quando encontramos certos estímulos. São crenças disseminadas na cultura que nos sobrevêm à mente automaticamente.
Ativação controlada: envolve um processo consciente e deliberado de recuperação de informações da memória. Isso requer esforço cognitivo e controle voluntário para acessar e processar informações específicas. Ao contrário da ativação automática, que ocorre de forma rápida e involuntária, a ativação controlada requer atenção consciente e pode ser influenciada por fatores como a motivação, contexto social e instruções específicas. Há uma análise e reflexão consciente sobre o conteúdo que veio à mente, há uma ponderação.
As microagressões
O preconceito se expressa pela via afetiva e comportamental. São sentimentos negativos relacionados a pessoas ou grupos e comportamentos que culminam em discriminação (olhares, xingamentos e agressões).
Em um mundo vigiado pelas câmeras dos celulares, bombardeado de informações e altamente globalizado, o preconceito foi encontrando maneiras mais sutis de se manifestar.
Através das microagressões. São comentários, ações ou comportamentos sutis e muitas vezes não intencionais que refletem preconceitos, estereótipos e discriminações em relação a pessoas de grupos minoritários. Essas ações podem ocorrer no dia a dia, tanto de forma verbal quanto não verbal, e podem ser expressas de maneira consciente ou inconsciente. O termo "micro" sugere que essas agressões são frequentemente pequenas e podem passar despercebidas para quem as pratica, mas seu impacto pode ser significativo para quem as recebe.
Microagressões contra imigrantes
As microagressões sofridas por estrangeiros podem variar dependendo do contexto cultural, do país de acolhimento e da identidade específica do indivíduo estrangeiro. No entanto, algumas microagressões comuns enfrentadas por estrangeiros incluem: comentários sobre sotaque: "Você fala com um sotaque tão forte, é difícil entender o que você está dizendo. Você deveria trabalhar para melhorar seu sotaque para se comunicar melhor."; assunções sobre nacionalidade: "Você tem cara de latina!", perguntas intrusivas sobre origem e cidadania: "Qual a sua situação no país?"; "Como você vive aqui?", expectativas de comportamento assimilado: "Você sempre celebra seus feriados brasileiros, mas por que não adota os feriados locais? Seria melhor se você participasse das tradições daqui em vez de se agarrar aos costumes do seu país de origem."; estranhamento e isolamento social: ser a única pessoa a não ser convidada para um evento do trabalho e ser a única estrangeira; comentários xenofóbicos ou nacionalistas: "Brasileiros são todos preguiçosos e desonestos. Eles vêm para o nosso país apenas para roubar nossos empregos e se aproveitar do sistema de bem-estar social."
As principais vítimas
O preconceito tem seus alvos demarcados por uma sociedade patriarcal, cis- heteronormativa, branca e eurocentrada. Ou seja, qualquer pessoa que foge desses padrões, como latinos, pessoas negras, homossexuais e mulheres, vivenciarão ou já vivenciaram algum tipo de preconceito.
Percebe-se um recorte racial, de gênero e classe importante. Dessa forma, mulheres latinas ou mulheres negras imigrantes são constantes vítimas de microagressões que culminam na objetificação de seus corpos, na desvalorização de seus trabalhos ou na invalidação de suas capacidades e identidades. São insultos como: "É muito difícil dizer seu nome! Vou chamá-la desse jeito porque é o que consigo."; "Você é brasileira! Nossa, você deve dançar muito bem! Dança aí!"; "Você é uma negra muito linda!".
Outras formas de microagressões podem ser negligência, desprezo, exclusão de oportunidades, desconfiança da capacidade, ou da índole ou mesmo interrupção na fala. Para imigrantes, é muito mais difícil alugar uma casa, encontrar locatários que confiem assinar um contrato. Uma lógica similar ocorre nas vagas de empregos, mesmo tendo boas qualificações, a preferência será destinar a vaga a nativos que cumpram os padrões já mencionados. Mulheres imigrantes latinas universitárias sofrem com a solidão. Dificilmente são chamadas para eventos. E, se não encontram grupos na mesma situação, para se apoiarem, acabam se isolando e entrando em sofrimento psíquico.
Impactos na saúde mental
As microagressões podem ter um impacto significativo na saúde mental, resultando em altos níveis de estresse, ansiedade, baixa autoestima, depressão, culminando em isolamento social, raiva e desgaste psicológico. O constante bombardeio de mensagens negativas ou discriminatórias pode levar a sintomas emocionais e comportamentais disfuncionais, prejudicando as atividades e as relações das pessoas atingidas.
Para quem é imigrante, além dos inúmeros desafios a serem vencidos diariamente pela questão da adaptação e diferenças culturais, as microagressões tomam uma dimensão ainda maior. É importante reconhecer que elas podem ser sutis e muitas vezes não intencionais, mas ainda assim têm um impacto negativo nas experiências e no bem-estar emocional dos estrangeiros.
Conscientização e acolhimento
Promover a conscientização sobre essas microagressões e trabalhar para criar ambientes mais inclusivos e respeitosos é fundamental para garantir o acolhimento e a integração bem-sucedida de estrangeiros em suas comunidades de acolhimento.
Se você está passando por isso, compartilhe suas experiências entre amigos, familiares ou comunidades de apoio que possam entender suas experiências como estrangeiro e oferecer suporte emocional, pratique o autocuidado fazendo atividades físicas, hobbies que você costumava fazer e se você sentir necessidade procure suporte profissional. Estou aqui para te apoiar!
Escrito por:
Beatriz Zanetti (CRP - 01/19319) - Psicóloga pela Universidade de Brasília e Mestre em Educação para Carreira pela Universidade Livre de Bruxelas. Dedica-se a auxiliar quem vive transições de vida e carreira, na busca por felicidade, presença e equilíbrio, no Brasil ou no exterior. Atendimentos em português e inglês.
Maria Luiza Rocha - Graduanda em Psicologia pela Faculdade Cesusc, Bacharel e Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Interessada em pessoas, cultura e sociedade.
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